"A maioria das pessoas não planeja a falha, e sim falha no planejamento."
John L. Beckley.
Com este pensamento do nobre escritor americano pretende-se fazer uma análise doutrinária, conjuntural e social das manifestações que assolaram e assolam o Brasil nos últimos dias e pelo que se verifica perdurarão.
Neste raciocínio o portal UOL Copa em sua edição de 01 de julho de 2013, ousou retratar: “Final da 'Copa das Manifestações' tem promessa de manutenção de protestos.”.
Na consciência que é preciso se analisar a conjuntura de tais movimentos cita-se trechos julgados importantes da reportagem creditada à manchete:
A Copa das Confederações terminou exatamente como começou fora dos estádios: com protestos e confrontos entre manifestantes e forças de segurança. Assim como ocorreu no dia 15 de junho, em Brasília, e durante quase todo o torneio, manifestantes entraram numa verdadeira batalha com a polícia no entorno do Maracanã. E mais: prometeram manter os atos contra o governo, a FIFA (Federação Internacional de Futebol) e o Mundial de 2014.
O jurista Luiz Flávio Gomes (2) escrevendo sobre o tema trouxe a indagação: Vandalismo ou juventude lúcida? E passou a discorrer de forma pragmática:
Protestos populares não são novidades em nenhuma parte do mundo. Somente nos últimos anos podemos recordar a batalha de Seattle (1999), os movimentos contestatórios de Davos contra a globalização (2000) e de Toronto contra o G20 (2010), os universitários de Londres (2010), o movimento “Occupy Wall Street” nos Estados Unidos (2011), os indignados na Espanha (2012), a Primavera Árabe (2011-2012), os protestos de Istambul (2013) etc. Trata-se de uma fenomenologia mundial. O ser humano, por natureza, é insatisfeito. Quando satisfeito, costuma não tolerar a injustiça, o autoritarismo ou o desmando. Para tudo, sobretudo para a opressão, há limite.
Também no Brasil os protestos são frequentes, porém, menores. Nenhum talvez tenha alcançado, depois da redemocratização (1985), as proporções (centenas de detidos) dos que aconteceram recentemente.
De imediato, dois desafios:
1º) como devemos lidar com esses protestos sociais sem excessos, sem abusos, reforçando, não destruindo, a democracia? (voltarei a esse tema em outro artigo);
2º) quais seriam as verdadeiras razões dos recentes protestos convocados pelo Movimento Passe Livre (MPL), que defende a gratuidade do transporte público.
Sobre o tema o amigo e ilustre professor de Ciência Política e Sociologia da Violência da Academia de Polícia Militar do Barro Branco e da Faculdade Meritus de Ciências Humanas e Sociais Eduardo de Oliveira Fernandes, escreveu para a Agência de Notícias da Defesa Net, importante ensaio sobre este momento intitulado: NOVAS MANIFESTAÇÕES DEMOCRÁTICAS E ANTIGAS DIFICULDADES REPUBLICANAS.(3)
A recente onda de manifestações públicas verificada em território nacional, embora represente uma carga legítima de indignação e se constitua em uma caixa de ressonância das mais variadas demandas, ainda é um fenômeno social que carece de melhor dissecação e instrumentalização etiológica.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, se é que o mesmo encontrará um fim em si mesmo, propõe-se uma análise conjuntural sobre os movimentos sociais em apreço já que a tônica com que tais manifestações são abordadas repousa no manto do exercício da democracia, alicerçada na Constituição Federal, em especial no Art. 5º que trata DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS, com destaque para os incisos II, IV, XVI e XVII:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
[...]
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
[...]
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
[...]
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
No entanto, esta “massa democrática” não parece que representa o interesse da maioria da Nação, pois há de se sopesar outro princípio constitucional que é o inciso XV:
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
Novamente vale-se das lições de Fernandes:
Convém lembrar que, se de um lado, os valores democráticos permitem ocupar ruas e corredores de grande acesso e tráfego incessante, em nome de pretensas reformas, em posição diversa, mas ainda em perfeita consonância com os mesmos princípios norteadores, os ideais republicanos não podem ser esquecidos, sob o risco de a res publica (coisa pública) ser relegada a um plano inferior.
Manifestantes ou ativistas:
Ativista (4) é membro por afinidade em alguma ideologia política ou social. Manifestante (5) o indivíduo que toma parte em uma manifestação ou ato de protesto, mas por uma causa específica.
Luiz Flávio Gomes, em já citado artigo, discorreu sobre o perfil dos manifestantes:
O Movimento Passe Livre (MPL) adotou como pretexto inicial o aumento da tarifa dos ônibus. Mas ele mesmo confessou que não conta com controle de todos os participantes. É patente a heterogeneidade dos grupos que estão participando das passeatas (O Estado de S. Paulo de 15.06.13, p. A24), que vão desde sindicatos (dos metroviários, ferroviários etc.), agremiações partidárias (juventude do PT etc.), entes coletivos pós-modernos, anarquistas, incontáveis universitários, até a “tropa de choque” violenta, conhecida como “black blocks” (que, com panos ou lenços no rosto, máscaras de gás, roupas pretas e estética punk, foi o grande responsável pelas destruições materiais dos protestos do dia 11.06.13). (grifos nosso)
Aqui repousa a nosso sentir o que se pode denominar de “pano de fundo” dos ditos democráticos movimentos, pois se intitulam ativistas e elegem uma liderança horizontal semcabeças, ou seja, todos pensam igualmente e por isso todos tem o mesmo poder. Por isso háausência de lideranças, o que não é verdade já que todos os encontros são marcados pela internet e em sua maioria pelo perfil de alguém numa rede social, e também há uma liderança quando da reunião para iniciar a manifestação, no momento que é passado as palavras de ordem e se escolhe o percurso e o objetivo. Os manifestantes se comunicam por meio do celular, acessando, as redes sociais, com outros líderes em locais próximos e até mesmo em Estados e cidades vizinhas.
Assim, está na hora, ou melhor, já passou da hora das autoridades, sobretudo, Ministério Público e Poder Judiciário, solicitarem informações aos provedores de tais pessoas, pois com suas identidades será possível partir para a responsabilização. Mas infelizmente, o que se observa é uma letargia de tais órgãos, pois é possível socorrer-se novamente da lição do professor Luiz Flávio Gomes:
Não há como deixar de concluir que alguns estão participando do movimento (só) para promover o vandalismo (grupos radicais e irresponsáveis, inimigos da democracia, eventualmente contratados por alguns partidos político - Folha de S. Paulo, 16.06.13, p. C6 - ou, em tese, pela própria polícia), [...]
Por entender que são sim manifestantes é que se ousa analisar seus perfis da seguinte maneira:
Os ditos pacíficos: são os que promovem os encontros por meio das redes sociais. Muitos possuem perfis pessoais e não usam do anonimato. Os criminosos: para alguns, em especial a imprensa, apenas baderneiros. São os que promovem os atos de vandalismo. Saques e incitação da violência.
Percebe-se que os manifestantes, pacíficos e os criminosos, são coniventes uns com os outros. Pois os que se julgam pacíficos nada fazem para contribuir com a Ordem. Haja vista que no simbolismo da ANARQUIA (6) não sentam com as autoridades, responsáveis pela Ordem Pública, para discutir a segurança dos manifestantes, do patrimônio público e privado e, sobretudo, do direito de ir vir, dos cidadãos que não querem se manifestar, que é a grande maioria. Pode-se aqui verificar a imposição da força desta massa em flagrante desrespeito ao que se conhece porDemocracia.
Se houvesse respeito, haveria identidade, haveria colaboração, o que com posturas simples como o fornecimento dos itinerários e horários, evitariam os atos de vandalismo e as condutas criminosas, haja vista que os poucos vândalos maculam e deslegitimam o movimento, por isso devem ser identificados e punidos. Mas ao contrário o que se observa é que mesmo que de forma velada, ou por omissão, todos os manifestantes que ali se encontram (pacíficos ou não), desejam o confronto com a polícia de modo que se propague o CAOS.
Neste diapasão novamente é importante o comentário de Fernandes:
A defesa dos valores republicanos e democráticos é parte inalienável de uma agenda intocável de qualquer sociedade que tencione alcançar uma razoabilidade mínima de convivência social madura, garantindo o bom funcionamento do Estado, governo, sociedade civil e de todos os demais entes, incluindo nesse rol as pessoas físicas e jurídicas.
Após estas considerações conjunturais e sociais é importante se analisar o aspecto doutrinário legal, sobretudo pelo Direito Penal, já que se observa além das manifestações lícitas, a ocorrência de condutas criminosas, condutas que as autoridades constituídas estão fazendo questão de entender apenas como ato de vandalismo da vontade de uma massa democrática sem controle, haja vista o caráter da pessoalidade e individualidade penal.
No entanto, seguem-se algumas indagações:
Será que queimar a Bandeira Nacional, quebrar vidraças de prédios públicos e privados(Dano, Art. 163 do Código Penal), promover saques (furto qualificado, Art. 155, §4º do Código Penal) são apenas atos de vandalismo?
Pensa-se que não, pois além destes tipos penais é possível se pensar no concurso formal com os crimes contra a paz pública.
Art. 286 - Incitação ao crime
Art. 287 - Apologia de crime ou criminoso
Art. 288 - Quadrilha ou bando
Bloquear uma importante avenida ou estrada pode ser encarado apenas como um ato democrático? Pensa-se que não, pois não se para o trânsito de uma via expressa (rodovia, marginal e avenida) de forma irresponsável, apenas coibindo os proprietários dos primeiros veículos que seguem à frente parar. Basta observar 2 episódios no último dia 02 de julho em São Paulo:
1) Na rodovia Anhanguera (7) 4 pessoas ficaram feridas durante tentativa de fechar a pista;
2) Manifestante é baleado por motorista que tentou furar bloqueio na rodovia Anchieta (8)
Há regras e responsabilidade que precisam ser seguidas, caso contrário as condutas podem e devem ser analisadas sob o ponto de vista criminal, haja vista os crimes contra a segurança dos meios de comunicação e transporte e outros serviços públicos.
Art. 262 - Atentado contra a segurança de outro meio de transporte.
O uso de coquetel molotov a queima de pneus e outros objetos quando da interdição de vias, a queima de lixeiras, veículos entre outros patrimônios, também não
pode ser encarado como um ato de vandalismo, haja vista a tipificação penal para tais condutas nos tidos crimes contra a incolumidade pública.
Art. 250 - Incêndio
Considerando que o país está experimentando uma nova realidade social alcunhada de O Gigante Acordou (9), o que na visão de alguns cientistas políticos colocou o Brasil na rota das manifestações sociais pelo mundo, é necessário uma posição das autoridades constituídas para que não se interprete crime como vandalismo e exercício da democracia como apologia ao crime.
Notas -
1 - Major da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo CAES/PMESP. Especialista em Direito Penal pela ESMP/SP. Professor da Universidade Assunção das disciplinas de Direito Penal, Processual Penal e Prática Jurídica. Home page: http://sites.google.com/site/professortelmo.
2 - GOMES. Luiz Flávio. Vandalismo ou juventude lúcida?. Disponível em:ttp://jus.com.br/revista/texto/24734/vandalismo-ou-juventude-lucida#ixzz2WnkrUvH8
>. Acesso em: 20 jun. 2013.
3 - FERNANDES. Eduardo de Oliveira.
. Disponível em: <
> Acesso em: 03 jul. 2013.
>. Acesso em 06 jul. 2013.
>. Acesso em 06 jul. 2013.
6 - Mais alta expressão da ordem; abolição da propriedade privada, sendo substituída pela posse, individual ou colectiva; abolição de toda a hierarquia humana, passando a sociedade a ser conduzida de baixo para cima em vez de cima para baixo, sendo extinta todo o tipo de autoridade; abolição do poder centralizado, sendo o poder organizado da circunferência para o centro em vez do centro para a circunferência; libertação de um poder instituído. Disponível em: < http://www.dicionarioinformal.com.br/anarquia/>. Acesso em: 06 jul. 2013.
>. Acesso em: 07 jul. 2013.
>. Acesso em: 07 jul. 2013.
9 - Disponível em:< http://ogiganteacordou.org/>. Acesso em: 07 jul. 2013.