Operação Rio-2010: A visão do Componente
de Combate Terrestre (CCT)
CC(FN) Carlos Eduardo Gonçalves da Silva Maia
Vinte e cinco de novembro de 2010, o dia em que a sociedade carioca reagiu e deu um “basta”. Acuado, após vários dias de verdadeiros atos terroristas, que incluíram carros queimados e vias interditadas pelos soldados do tráfico, o governo do Estado do Rio de Janeiro desencadeou uma Operação sem precedentes na história da segurança pública fluminense.
Após a solicitação de apoio, foi expedida uma mensagem de execução imediata pelo Comando de Operações Navais na noite do dia vinte e quatro de novembro.
Em pouco menos de doze horas, nossos blindados encontravam--se prontos no Comando da Força de Fuzileiros da Esquadra e em condições de atuar no combate ao tráfico, junto às Forças de segurança estaduais.
Um gabinete de crise foi constituído e após uma breve reunião foi constituído um GptOpFuzNav, nucleado no Comando da Tropa de Desembarque, cujo esforço principal baseava-se no apoio de serviços ao combate, particularmente na execução da função logística Transporte, que os dezessete blindados envolvidos na Operação poderiam proporcionar.
O CCT foi constituído por um Destacamento de Viaturas Blindadas, que incluía viaturas M-113 e Viaturas MOWAG PIRANHA, um Destacamento de Viaturas Anfíbias e um PelFuzNav com a tarefa de realizar a segurança das viaturas durante as ações. As guarnições das viaturas e o efetivo do PelFuzNav eram revezados em um sistema de rodízio a cada 24 horas, a exceção do efetivo do BtlVtrAnf que obedecia a uma periodicidade de 48 horas.
Em uma primeira fase, foram empregados 06 M-113 nas ações que culminaram na conquista da Vila Cruzeiro. Diferentemente das tradicionais Operações Militares em Ambiente Urbano, em que se pode observar claramente três fases, quais sejam: Isolamento, Avanço e Limpeza; o elemento surpresa, a incipiente organização das facções criminosas, aliada a não observância de armas anticarro em condições de uso, possibilitou o desenvolvimento simultâneo das fases, como preconiza o CGCFN-31.1.
M113A1 em marcha. Mais manobráveis e ágeis nas estreitas vielas
foram de vital importâncias nos primeiros momentos
Nossos habilidosos operadores conduziram os M-113 pelas estreitas vielas da Vila Cruzeiro, transpondo obstáculos, tais como: veículos de passeio em chamas e trilhos de trem concretados no chão. Sendo constantemente alvejados por armamentos individuais de calibre 7,62mm, nossos guerreiros blindados não se intimidaram e prosseguiram no cumprimento de sua nobre missão.
A ação de choque proporcionada por essas viaturas foi determinante para que a Força
adversa desistisse de lutar, culminando na épica cena de fuga dos criminosos, incessantemente explorada pelas emissoras de televisão.
Em uma segunda fase, foram conduzidas ações de consolidação da Vila Cruzeiro.
Os Carros Lagarta Anfíbios CLAnf participaram ativamente desta fase, sendo utilizados em tarefas de apoio de serviço ao combate, visando ressuprir as tropas do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) e, também, em tarefas de transporte de outras tropas daquela Unidade policial para a Vila Cruzeiro.
Em uma terceira fase, buscando o aproveitamento do êxito obtido na conquista da Vila Cruzeiro, foram desencadeadas as ações para a conquista do Complexo do Alemão. A esta altura, as tropas da Brigada de Infantaria Paraquedista já se encontravam realizando a tarefa de isolar a localidade para que nossos blindados pudessem efetuar o Avanço. Foram utilizados 05 M-113, 04 CLAnf e 04 MOWAG PIRANHA que transportaram tropas do BOPE e da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil (CORE).
Durante esta fase, não houve confrontos, sendo os objetivos marcados no planejamento rapidamente conquistados.
Os blindados ainda seriam utilizados durante a fase da Limpeza do Complexo do Alemão, transportando tropas das Forças de Segurança Estaduais em ações pontuais.
Ato contínuo, foi iniciada a desmobilização gradual dos meios que, paulatinamente, começaram a retrair, por CAV-MEC, para seus aquartelamentos.
Como lições aprendidas, cabe ressaltar a importância do adestramento das pequenas frações. Em várias etapas da Operação, as frações tiveram diversos problemas relativos a comunicações, que foram devidamente minimizados pelos comandantes de fração que sabiam exatamente como proceder em cada situação. Tal fato foi fruto de um planejamento e adestramento prévio, que possibilitou a tranquilidade necessária para o exercício ativo da liderança nas frações.
A Confiança no Material e no Adestramento – depoimentos dos operadores de CLAnf e M113 empregados na Operação RIO-2010
A mobilização
Quando foi tomada a decisão de emprego de um GptOpFuzNav em apoio à segurança pública do Rio de Janeiro, nossos operadores já estavam nas suas casas, após o retorno de mais um exercício do programa de adestramento.
Foram, então, acionados, com o auxílio dos Planos de Chamada, para regressarem às respectivas unidades. Na noite do próprio dia 24 de novembro, com todos no quartel, a faina tomou forma.
CB-FN-IF De Carvalho - “Chegando ao Batalhão, tivemos conhecimento do fato e começamos a equipar as viaturas CLAnf. As guarnições foram formadas e as fainas distribuídas. Todos os carros já estavam prontos antes da meia-noite do dia 24 de novembro. Logo começou o deslocamento dos meios para a FFE...”
Tropas do BOPE prestes a embarcar nas viaturas blindadas do Corpo de Fuzileiros Navais., par ao início das operações. Expectativas e ansiedades dos dois lados.
A execução I – o primeiro contato com a tropa apoiada Se a prontificação de pessoal e material foi breve, a adaptação e troca de informações com o elemento apoiado também. Na manhã do dia do início da operação, foi executada uma seção sumária de apresentação dos meios para a tropa policial e as ações em seguida foram desencadeadas.
CB-FN-IF De Carvalho - “Na manhã do dia 25 de novembro, após ser pago o “briefing” para os policiais do BOPE, mostrando as peculiaridades, as limitações, as possibilidades e o poder de combate das viaturas anfíbias, houve o deslocamento das mesmas, por carretas, para as proximidades da Vila Cruzeiro.”
A execução II – relacionamento com a tropa apoiada
Com todas as fases da operação tendo tratamento abreviado, podia-se prever dificuldades na execução, particularmente quanto ao entrosamento das equipes recém-formadas, que incluíam as guarnições de nossos blindados e a tropa policial a ser transportada, mas não foi o que se viu.
CB-FN-MO Eduardo - “Houve uma mudança da tropa apoiada e do local da missão. A minha seção apoiou os policiais civis da CORE, transportando-os para o morro do teleférico. Ministramos um “briefing” e pedimos que o mais experiente tomasse a posição do Comandante da tropa embarcada para nos auxiliar no deslocamento. O primeiro obstáculo, na subida, foram dois trilhos de trem concretados no chão, com cerca de um metro de altura. A primeira viatura conseguiu transpor... o trilho que estava à direita fez ceder o solo, abrindo uma fenda entre os trilhos e um poste foi danificado, fazendo com que o mesmo se inclinasse na minha frente, entrando em curto a fiação. Foi uma cena assustadora, porque, a cada estouro dos fios, o poste balançava. O policial entrou na fonia para falar comigo, dizendo: “Não vai não piloto, não vai piloto, nós vamos morrer!”. Eu pedi calma, dizendo-lhe que passaríamos quando parasse o curto... parou e nós prosseguimos, agora derrubando outro trilho... teve um momento que nos defrontamos com alguns disparos.
Em seguida, havia dois tonéis com concreto e trilhos de trem... passamos por cima dos tonéis com uma das lagartas. Subimos mais um pouco o morro e paramos para a tropa desembarcar em segurança. O policial apertou minha mão e agradeceu. Manobramos e retornamos para o 16°BPM.”
Provavelmente o evento relatado pelo CB-FN-MO Eduardo está demonstrado por este CLAnf
CB-FN-IF De Carvalho – “Os policiais do BOPE estavam bastante confiantes com nossa participação e cooperação, pois nossas viaturas blindadas puderam suprir suasnecessidades, oferecendo mobilidade tática, proteção blindada e poder de fogo. A coordenação feita no embarque e desembarque foi de grande importância para o sucesso da missão.”
CB-FN-MO Fortes – “Na parte prática do comando da coluna de blindados,procedimentos de conduta e direcionamento nas vielas da favela houve cumplicidade e respeito, independentemente do grau hierárquico ou força envolvida, o que foi fundamental para o sucesso da missão.”
A execução III – o desempenho do material na ação
Não fosse a cuidadosa manutenção de nossas viaturas blindadas nas suas OM de origem, não haveria a possibilidade de estarem prontas em tão breve espaço de tempo.
A qualidade e a eficácia dos procedimentos de manutenção, orientados pela área de material do CFN e executados por nossas unidades operativas, ficou evidenciada também durante a ação, que registrou ausência de panes durante o emprego das viaturas.
CB-FN-MO Fortes – “...em particular, a viatura a qual operei havia acabado de chegar de Formosa, tendo se desenvolvido bem na manobra em terra e atirando; inclusive, o sargento que era o comandante da minha guarnição sempre esteve com o histórico de manutenção em dia, além de acompanhar essa viatura há anos”.
A execução IV – o valor do adestramento
Conforme consagrado na Estratégia Nacional de Defesa:
“O Corpo de Fuzileiros Navais consolidar-se-á como a força de caráter expedicionário por excelência”. Isso impõe um estado de prontidão permanente, mochila pronta, material manutenido e disponível para emprego imediato. Implica, também, em dispor de tropa preparada para atuar em um espectro diversificado de situações que o país demandar. Tal condição só pode ser atingida mediante a execução de um extenso e detalhado programa de adestramento, que permita ao homem atingir graus de preparação e confiança em si e na sua equipe maiores que os desafios a ser enfrentados.
CB-FN-MO Fortes – “ ...o contato que temos relacionado ao emprego das viaturas ocorre nas manobras. Nesses exercícios, a guarnição do carro passa a operar em situações adversas, adquirindo grande experiência de manutenção, conduta e, principalmente, noção de espaço para manobras, pois a visibilidade é reduzida. Manobrar em vias estreitas exige guarnição experiente. Já para a transposição de obstáculos utilizando todo o potencial da viatura, é importante submeter o operador a várias passagens em pistas de obstáculos, do padrão da que existia no batalhão. Isso traz habilidade e confiança em si e no material”.
Nota: Os operadores que prestaram os depoimentos aqui resumidos são atualmente alunos dos cursos de Formação de Sargentos conduzidos no CIASC. No período da operação serviam no Batalhão de Viaturas Anfíbia