Treinamento de progressão em áreas de alto risco durante o VI Curso de Operações Táticas Especiais (COTE)
A expressão ameaças assimétricas visa apenas a atribuir uma roupagem nova a questões que remontam aos embates que assolaram a história da humanidade. Tais ações empregam métodos não lineares de conflito, com técnicas muitas vezes simples, com ênfase no nível estratégico, psicológico e com grande apelo ideológico
A estruturação em redes autônomas, a atuação clandestina, a falta de complexidade, a versatilidade e a capacidade de adaptação são características inerentes às ameaças assimétricas. Os métodos irregulares são fatores que atribuem vantagens estratégicas de pequenos grupos sobre as grandes forças militares e políticas no mundo. Assim, os agentes desses organismos clandestinos buscam as vulnerabilidades e as exploram, a fim de maximizar os efeitos de suas ações e atingir o seu objetivo, seja ele político, econômico, cultural ou religioso.
O caráter moderno atribuído às novas preocupações, tanto em relação à segurança como à defesa, decorre muito dos efeitos da globalização, em razão das melhores capacidades de comunicação e logística. A própria propagação das ideias e interesses das ameaças assimétricas foi potencializada, permitindo incutir, não só no inimigo propriamente dito, mas no Estado e na sua população, uma política de medo, a qual, por via transversa, repercute diretamente nas decisões estratégicas e operacionais das forças estatais.
O mesmo efeito globalizante faz com que as questões de segurança pública, mais precisamente as referentes às polícias locais, se aproximem das questões mundiais, em razão da aproximação dos povos, culturas e comércio. Num cenário mundial extremamente conectado, podemos verificar as principais formas de exteriorização das ameaças assimétricas, sendo elas o terrorismo e as organizações criminosas transnacionais (OCT).
Narcoterroristas
O terrorismo, muitas vezes, se vale das OCT para estabelecer formas de financiamento às suas ações e ocultação dos recursos financeiros e dos meios. Além disso, a utilização da logística criminosa permite atribuir a versatilidade e a surpresa que as ações terroristas demandam. Para tanto, é necessária a prática de crimes, muitas vezes, de natureza comum – tráfico de drogas, armas ou pessoas, imigração ilegal, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, homicídios etc. – para atingir os fins materiais e ideológicos do grupo.
Em contrapartida, as OCT, apesar de possuírem uma vertente menos ideológica, se utilizam de ações com características terroristas para conseguirem desestabilizar as forças legais na repressão e prevenção aos crimes por elas perpetrados. Tanto assim o é que foi, a partir daí, cunhada a expressão “narcoterroristas” para exemplificar essa forma de ação.
Em contrapartida, as OCT, apesar de possuírem uma vertente menos ideológica, se utilizam de ações com características terroristas para conseguirem desestabilizar as forças legais na repressão e prevenção aos crimes por elas perpetrados. Tanto assim o é que foi, a partir daí, cunhada a expressão “narcoterroristas” para exemplificar essa forma de ação.
Verifica-se, assim, um ponto de interseção entre o terrorismo e o crime comum praticado especialmente por OCT. É nesse ponto que as forças de segurança pública e defesa, de todas as esferas de governo, se unem no combate às ameaças assimétricas, cada qual atuando com a sua expertise e contribuindo na repressão e, principalmente, na prevenção. Nesse cenário, a polícia investigativa tem primordial atuação, uma vez que ela, por suas atribuições institucionais, atua nas principais vertentes da rede de logística, ou seja, em todo e qualquer meio utilizado pelas ameaças assimétricas para alcançar o seu fim, seja na captação de financiamento (tráfico de drogas, armas, crime contra a propriedade imaterial e lavagem de dinheiro), na obtenção de recursos humanos (tráfico de pessoas e imigração) e materiais (contrabando e falsificação), bem como no planejamento e, às vezes, na execução dos planos. Portanto, é no ambiente das polícias locais que deverá ocorrer o enfrentamento ao terrorismo e às OCT, sem fugir, portanto, às suas atribuições institucionais e aproveitando a sua expertise, a rede de informações já estruturada e, principalmente, os seus serviços de inteligência.
É importante frisar que o fracasso da missão preventiva ou repressiva pode desencadear ações ou contramedidas que dificultem ainda mais o combate às ameaças assimétricas ou, ainda, que robusteçam as suas ideias e/ou pretensões, através da guerra da informação. Por isso, em razão da sensibilidade do objetivo da ação a ser executada, exigem-se organismos profissionais e pessoal preparado, com efetivo compromisso com o resultado. Todavia, a diferença, nos dias de hoje, é que o inimigo possui uma pluralidade de faces e métodos (terrorismo, insurgência, guerra de informação, armas de destruição em massa, cyber ataques etc.) para atingir os fins estratégicos desejados, com menos esforços, recursos e sem a necessidade de entrar em conflitos armados diretos.
Para exercer todas as atividades inerentes à consecução dos fins propostos, as ameaças terroristas são dotadas de flexibilidade, uma estrutura clandestina de contatos, potencializada pelos efeitos da globalização e, muitas vezes, com autonomia para agir. A simplicidade e a eficiência são também características decorrentes da flexibilidade, visto que, talvez por falta de recursos ou pelo simples fato de favorecer a dissimulação, ou ambos, permitem desencadear atentados de grande magnitude e com movimentações quase imperceptíveis.
A disseminação do medo, do terror e da confusão, fomentada pelo terrorismo nas pessoas e nas instituições, é uma das formas de influenciar diretamente e indiretamente os citados personagens, controlando-os de acordo com os seus interesses. Portanto, a mídia e a opinião pública podem ser direcionadas, através dos atos de violência, ainda que involuntariamente, potencializando uma excessiva sensação de insegurança. Muitas vezes, o terrorismo também pode ser analisado como uma forma de propaganda das bases ideológicas de um grupo radical, como, por exemplo, a Jihad, em que vários grupos armados utilizam a fé e o martírio para justificar a luta contra os ditos infiéis. Isto, por sua vez, faz disseminar em outros grupos ou simplesmente em pessoas, inclusive em países diversos com situações políticas e sociais distintas do grupo originário, o mesmo fanatismo e radicalismo, inclusive levando ao cometimento de extremados atos de violência contra terceiros e contra si próprios.
A transnacionalidade é também um ponto favorável aos grupos terroristas e prejudicial às forças de segurança, uma vez que as ações preparatórias e os atos de violência podem ser iniciados em um país e os seus objetivos e efeitos atingirem outros. Com isso, as ações preventivas e repressivas ficam enfraquecidas sob os óbices dos marcos fronteiriços, da soberania e dos sistemas legais.
O Crime e as OCT
O terrorismo, em momento algum, pode ser considerado uma ameaça isolada, muito menos deverá ser analisado sob um prisma meramente ideológico. Desassociar o terrorismo do crime comum seria um grande equívoco, uma vez que estão interligados, ainda que somente no aspecto material, logístico, da corrupção e da captação de recursos financeiros. A magnitude da atuação pode variar desde o crime de pequena monta até crimes mais graves, existindo, com isso, uma simbiose entre OCT e grupos terroristas. A forma de estruturação e operacionalização também é semelhante; todavia, o aspecto ideológico e a motivação ainda os diferem, sendo certo que ambos podem atuar em parceria eventual ou sistemática, a fim de atingir os seus fins.
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), por exemplo, mantêm relações estreitas com organismos criminosos internacionais e grupos terroristas, obtendo lucros gigantescos com tráfico de drogas, extorsões, resgate de reféns e outras fontes. O Relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime de 2011 afirma que, somente com o tráfico de cocaína na Colômbia, o lucro girou em torno de US$ 496 milhões, sendo que boa parte dele estaria sob o controle das FARC. No Afeganistão, principal reduto da organização Al Qaeda, a produção de ópio, segundo o mesmo relatório, em 2009, foi de US$ 438 milhões e, em 2011, de US$ 605 milhões. A região sul do país foi responsável por quase a totalidade da produção de ópio, sendo que a província de Hilmand concentrou quase metade da produção. Em regra, as organizações terroristas naquela área contribuem com a produção de drogas através do fornecimento de proteção e, em contrapartida, recebem recursos por esta atividade. Observa-se também que as organizações transnacionais passaram a ampliar o leque de atuação, diversificando as suas atividades ilícitas, atuando desde o tráfico de drogas propriamente dito até o tráfico de armas e pessoas, contrabando, corrupção, lavagem de dinheiro e crimes cibernéticos.
Por fim, verifica-se que seria importante a mudança do paradigma da abordagem repressiva/preventiva, saindo do contexto da pessoa/criminoso/terrorista para o foco na criminalidade estrutural/orgânica, pois hoje as várias atividades ilícitas são praticadas por diferentes grupos de pessoas e, mesmo que esses indivíduos fossem identificados e neutralizados, as atividades marginais continuariam. Portanto, por mais importante que seja a pessoa capturada na hierarquia criminosa, ela será rapidamente substituída. Por isso, são necessários uma maior atenção e esforços para atingir as estruturas das organizações, limitando o fluxo de capital, material e pessoas.
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